quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Análise e Avaliação de Recursos Educativos online

Permito-me apresentar uma perspectiva própria sobre a avaliação de recursos educativos, relativamente mais elaborada que o solicitado na tarefa, visto que resulta da integração dos materiais disponibilizados em ARE, com ideias que transporto de um mestrado anterior, à semelhança de um trabalho sobre percursos de aprendizagem mediados por blogues que fiz para a UC de Aprendizagem e Tecnologias.

Um aspecto que considero fundamental referir, é que tão importante quanto os recursos é a concepção que os professores têm da educação. O que separa José Luís Ramos de Fernando Albuquerque Costa não são dúvidas menores sobre os critérios de avaliação dos recursos educativos digitais, mas o próprio conceito de RED’s, que deriva de diferentes concepções da educação.

O professor José Luís Ramos representa um conjunto de pessoas para quem as crianças são vistas apenas como os trabalhadores de amanhã, que deverão receber um treino em determinadas tarefas escolares padronizadas, que constituem meros problemas técnicos, nos quais deverão ser treinadas, utilizando materiais padronizados e preferencialmente certificados. Desta perspectiva decorre uma multiplicidade de critérios de avaliação dos Recursos Educativos Digitais tendo em vista a cereja em cima do bolo (o selo de certificação). Para promover a utilização destes recursos propôs a criação de um repositório de RED’s, que todos conhecemos através do Portal das Escolas (Recursos). Designo esta lógica por justificação industrial, termo que deriva da analogia com a fabricação industrial, também sujeita a rigorosos critérios de controlo da qualidade.

O professor Fernando Albuquerque Costa expressou o seu horror a manuais, e não vê qualquer motivo para a certificação de software, visto que compete à escola promover a integração das crianças no meio, desenvolvendo relações de proximidade e de confiança com os alunos. Na sua perspectiva, o melhor software é exactamente aquele em cuja construção os alunos se envolvem e como se interessa pelo desenvolvimento global das crianças, propõe como critérios de avaliação dos recursos educativos a sua eficácia ou a sua capacidade para ensinarem os alunos a pensar. Naturalmente que os recursos podem ser eficazes para os alunos transitarem de ano, mas isso não significa que preencham os requisitos de qualidade técnica exigidos ao nível da certificação. Muitos professores reconhecerão que é muito mais estimulante utilizar materiais próprios do que andar a reboque de produtos normalizados. Fernando Albuquerque chega a criticar os repositórios de recursos, alegando que estes “privam os alunos da oportunidade de criarem os materiais”. Designei por justificação doméstica esta perspectiva, que tira partido dos problemas concretos que se colocam aos alunos na comunidade onde se inserem, promovendo a sua motivação pelos conteúdos.

Feita esta introdução, não me resta a mínima dúvida que esta tarefa me foi colocada, exactamente para que desenvolvesse a justificação industrial, e será exactamente o que farei seguidamente.

O conceito de Recursos Educativos Digitais (RED’s) apresentado por José Luís Ramos é:
  • Um artefacto armazenado e acessível em suporte lógico que contenha intrinsecamente uma finalidade educativa, tenha uma identidade e autonomia relativamente a outros objectos, e satisfaça padrões de qualidade definidos pela comunidade educativa, (Ramos, JL, et al) (06:05)


Ramos considera que criar recursos com qualidade é um desafio estimulante e a avaliação de recursos é um ponto de partida para a inovação educativa, mas não explica porque é que tão escassos professores produzem RED’s, quando na sua opinião as competências pedagógicas e o conhecimento dos alunos são suficientes para os produzir com qualidade. Pelo exemplo que deu do www.weebly.com para a construção de sites parece acreditar que um dia o software será tão simples de utilizar que todos os professores aprenderão intuitivamente, mas deveria reconhecer que o software tem realmente muito pouco de intuitivo, e por isso é que precisa que lhe configurem a ligação à Internet no portátil. Além disso aqueles professores que utilizaram o www.weebly.com eram jovens “que até tinham alunos” – fazendo todos os esforços para iniciar a sua carreira – naturalmente mais motivados que aqueles que se encontram à espera da reforma ou a meio do itinerário profissional.

Outro factor que obstaculiza o desenvolvimento dos RED’s é o desinvestimento que actualmente se está a verificar nas escolas, e que leva a que frequentemente a Internet nas salas de aula não tenha sinal suficiente para uma utilização confortável.

A “aposta” na produção e distribuição de recursos digitais tem como questão prévia a generalização do acesso à Internet e a criação de condições de aquisição e utilização deste tipo de recursos. Sem uma aposta clara nestas condições dificilmente se poderá investir no âmbito da produção de recursos em suporte digital.

Certamente que do ponto de vista de Fernando Albuquerque os recursos gastos na aquisição de RED’s seriam melhor empregues se as escolas vissem reforçado o seu acesso à Internet em termos uma ligação com maior capacidade.

A imagem que os professores têm dos recursos educativos será certamente de algo com conteúdos muito próximos dos indicados nos programas escolares. Por essa razão alguém referiu na fase final de um webinar de Ramos que os professores sentem “além da escassez de recursos, muita dificuldade em enquadrar os conteúdos nos níveis disciplinares” (45:00). Isso sucede porque muitos dos conteúdos disponíveis não foram desenhados especificamente para o ensino aprendizagem, mas existem no mundo natural, social e humano, sendo susceptíveis de serem reutilizados na educação formal, adiantou Ramos noutra apresentação. Certamente por razões comerciais as editoras têm opinião oposta, considerando que “já há muita gente a fazer RED’s e bons”.

Apesar te ter referido que todos os professores têm competências para a construção de RED’s, Ramos assume a justificação industrial da educação quando admite que estes se dispersarão por diversos níveis de proficiência (06:00):

Nível mecânico - utilizadores básicos que só dominam a arte do copy /paste;

Nível criativo – utilizadores medianos, capazes de criar imagens, vídeos, sons, texto original e recombinar os diversos elementos; e

Nível de design – destinado aos produtores industriais de software educativo.

Um dos efeitos da certificação será a exclusão de projectos de software educativo concebidos por professores, com insuficientes conhecimentos de webdesign. Por exemplo, o blogue de Economia onde acumulo materiais desde 2007 nunca teria lugar no Portal das Escolas, que se encontra vazio nesta disciplina.

Como disse Ramos “a qualidade não é abstracta”, importando saber de que critérios e padrões depende. “Um factor que condiciona a qualidade é a pessoa não ter a ideia do que é a sala de aula” (10:00) e eu acrescentaria ainda não conhecer a turma, para defender que quem se encontra melhor posicionado para construir o software educativo são os professores.

Outros factores que limitam a qualidade dos produtos são “o escasso conhecimento científico”, mas eu observaria que os professores são profissionais com elevadas qualificações, e a Internet lhes oferece possibilidade de actualização contínua.

Ramos refere também como motivos da falta de qualidade dos produtos, a utilização de tecnologias ultrapassadas e a escassez de recursos financeiros e humanos, razões que do meu ponto de vista justificariam que o trabalho dos professores fosse melhor aproveitado.

Ramos explica ainda que ao nível da produção industrial dos RED’s “nem sempre se tira partido do conhecimento científico disponível para melhorar a qualidade pedagógica dos produtos”.

Quando procura explicar o se deverá fazer para melhorar a qualidade dos produtos, Ramos aposta na certificação dos produtos e na sua publicitação através do Repositório, bem como a publicitação dos padrões de qualidade e discussão pública dos projectos (12:00).

A certificação de um recurso é uma avaliação que utiliza os padrões de qualidade pré-definidos, tendo em vista um produto que não tem defeitos. “Não tem defeitos científicos, não tem defeitos técnicos, não tem defeitos na linguagem, não chama nomes a ninguém. A ausência destes defeitos significa que o produto pode ir para a escola”.

Para desenharem bons recursos, Ramos refere que os professores terão de “saber como as pessoas aprendem” e tentar combinar as seguintes características, difíceis de conjugar:

- inclusão e o acesso dos alunos;

- o envolvimento dos alunos na aprendizagem;

- aprendizagem efectiva e eficaz;

- abordagens inovadoras;

- convergência curricular;

- estímulo e feedback;

- trabalho colaborativo;

- percursos de aprendizagem;

- combinar multimédia;

- registar progresso;

- design: interacção, ajuda, navegação.

O que me parece fundamental para que um site seja um recurso educativo é que os alunos percebam exactamente o que devem “fazer”, e destaco o “fazer” porque é fundamental que os alunos tenham actividades onde clicar. Quanto maior for a componente de interacção, tanto melhor o site resulta, mas integrar elementos interactivos exige mais conhecimentos de informática aos professores e dá-lhes mais trabalho. Por outro lado, se não apresentarem recursos atractivos arriscam-se a ter mais trabalho durante as aulas, motivado por situações de indisciplina.

Assim, do meu ponto de vista, numa primeira fase deveria promover-se o trabalho em recursos digitais dos professores independentemente da sua qualidade. Quando a quantidade fosse suficiente, seria o próprio “mercado” que ditaria a exclusão dos produtos de qualidade inferior, sem necessidade de comprar algum, integrando-se cada professor como mais um elo da rede conectivista.

Fica uma última observação para referir que o Sistema de Avaliação, Certificação e Apoio à Utilização de Software para a Educação e Formação (SACAUSEF) foi criado e instalado por iniciativa da DGIDC, Instituto para a Qualidade na Formação (IQF), Universidade de Évora e Comissão para a Igualdade de Direitos da Mulher (CIDM) (!!). São funções do SACAUSEF a avaliação, certificação e apoio à utilização de software no campo da educação e formação.

Não tive tempo para investigar a parceria com a Universidade de Évora, quando me parece que outras cidades têm maior tradição na investigação em educação, mas o mais surpreendente foi a inclusão da CIDM na certificação dos RED’s. Escreveram que a participação da Comissão para a Igualdade de Direitos da Mulher no SACAUSEF destina-se a assegurar que “a presença, em produtos educativos, de concepções estereotipadas de homem e de mulher serão eliminadas” para evitar a deformação das mentes das criancinhas.

Realmente tenho muita dificuldade em aceitar esta justificação, porque há muitos outros grupos sociais que poderão ser vítimas de representações preconceituosas se os docentes não forem sensatos, e naturalmente a SACAUSEF ficaria tão pesada que nem funcionaria! Ora, se não podemos assegurar esse direito a todos, não é justo que se conceda o privilégio a um grupo especial, neste caso as mulheres. Este privilégio não tem qualquer justificação porque como os quadros de docentes são constituídos em larga maioria por mulheres, são elas que escolhem os recursos educativos a adquirir, e isso é mais que suficiente para eliminarem os produtos inconvenientes ou desconformes. Num texto que refere tão frequentemente os valores da paridade de género, na actual situação de redução das necessidades em termos de docentes, há o perigo de os docentes masculinos começarem a reivindicar essa paridade no emprego ;)

Webgrafia

Fernando Albuquerque Costa
http://www.erte.dgidc.min-edu.pt/index.php?section=383
http://www.crie.min-edu.pt/index.php?section=263
http://www.crie.min-edu.pt/files/@crie/1186584598_Cadernos_SACAUSEF_46_53.pdf

José Luís Ramos
http://webinar.dgidc.min-edu.pt/2011/02/23/recursos-educativos-digitais/
http://www.crie.min-edu.pt/files/@crie/1210161451_06_CadernoII_p_79_87_JLR_VDT_JMC_FMF_VM.pdf
http://www.crie.min-edu.pt/index.php?action=view&id=669&date_id=745&module=calendarmodule§ion=9
http://www.erte.dgidc.min-edu.pt/index.php?section=383

SACAUSEF
http://www.crie.min-edu.pt/files/@crie/1186584525_Cadernos_SACAUSEF_16_21.pdf
http://www.crie.min-edu.pt/files/@crie/1186584566_Cadernos_SACAUSEF_22_45.pdf

6 comentários:

Vitória disse...

Boa tarde, José :-)

Muito interessante a análise das diferenças entre os dois autores: José Luís Ramos e Fernando Albuquerque Costa.

Quanto à inclusão da Comissão para a Igualdade de Direitos da Mulher, compreendo a tua análise e entendo as tuas reservas, eu própria tenho as minhas dúvidas; mas ainda há um caminho tão grande a percorrer.

Muito obrigada pela partilha,
Vitória.

Lina Alves disse...

Olá José,
achei curiosa a tua análise sobre as perspetivas de Fernando Albuquerque Costa e José Luís Ramos, não sei se te inscreves particularmente em alguma delas. Quanto a mim, considero que não são exclusivas e teríamos ganhos se fossem complementares, pois acho que faz todo o sentido que exista um sistema de avaliação e certificação de REO e até de criação por entidades competentes para tal, à luz das exigências do sistema educativo português,temos de delinear como país, o que pretendemos que os nossos jovens aprendam e porquê. Isto não é impeditivo de que professores e alunos criem os seus prórpios REO, usem recursos já existentes na net da sua escolha ou ainda façam adaptações. Mas a existência de repositórios de REO parece-me uma excelente ideia e até acho agora que estou mais sensibilizada para este tema que há poucos REO realmente interessantes e que sejam possuidores de atributos de suficiente qualidade para serem facilmente utilizados!
Quanto às questões da igualdade de género, também acho interessante que te foques nelas, ainda que seja para dizeres que não devem ser consideradas porque da minha experiência profissional, tenho a perceção que os rapazes aprendem de forma diferente das raparigas, não sei se por questões socialmente aprendidas se por terem psiquismos diferentes que se traduzem em conceções e ações diferentes em termos de género, no entanto eu proporia que se adaptassem os recursos a essas diferenças de modo a facilitar a vida dos dois géneros e potenciar a aprendizagem de ambos.

José Neto disse...

Viva Lina!

1. Eu não partilho integralmente da perspectiva de nem do José Luís Ramos, nem do Fernando Albuquerque Costa, mas cruzei-os, porque acho que a generalidade dos professores se revê como combinação das duas perspectivas. Penso de modo mais colorido, embora considere que os elementos apresentados nesta polémica representam o fundamental da discussão quando se trata de avaliar recursos.

2. Tens razão ao observar que rapazes e raparigas aprendem de forma diferente. Posso mesmo adiantar que as raparigas têm um comportamento mais conforme com as exigências escolares, que já justifica o seu predomínio no ensino superior.
A ideia de adaptar recursos para rapazes e recursos para raparigas parece-me totalmente descabida, porque isso significaria, por exemplo, que não veriam o mesmo filme, nem leriam os mesmos livros!
Eu foquei esse aspecto dizendo que seria desnecessária uma Comissão que pretende higienizar os produtos didácticos das dos estereótipos femininos! E o argumento utilizado foi simples:
- se os autores não tiverem bom senso produzirão visões estereotipadas de numerosos grupos sociais: dos velhos, dos pobres, dos desempregados, dos grupos étnicos minoritários, dos que perfilham determinada religião, etc.;
- é impossível representar todos estes grupos na SACAUSEF, pois isso significaria que o organismo na prática não funcionaria;
- se não podem ser atribuídos direitos censórios sobre o software educativo a todos os grupos sociais, também não faz sentido atribuir esse poder às mulheres. Com uma agravante: já são as mulheres que escolhem os produtos que as escolas compram, portanto podem regular o que chega aos estudantes através do mercado, prescindindo da actividade reguladora.

Lina Alves disse...

Olá José,
também não pretendo que os rapazes tenham manuais escolares diferentes dos das raparigas ou que vejam filmes diferentes! A ideia seria utilizar abordagens ou estratégias de ensino aprendizagem mais adequadas a cada grupo, já que da minha experiência profissional, maioritariamente com rapazes pois as raparigas não aderem tanto à Electrotécnia, os rapazes priviligiam dinâmicas mais práticas e imediatas e têm menos tolerância a posturas de maior imobilidade e reflexão prolongada. Por seu lado, as raparigas, demoram às vezes mais tempo para chegar a determinadas conclusões mas frequentemente produzem resultados mais abrangentes. Com isto apenas pretendia que fossem respeitadas as formas de aprender de cada grupo com a finalidade de potenciar os resultados de ambos.

José Neto disse...

Viva Lina,
O Universo do trabalho das mulheres está associado à prestação de serviços, e isso reflecte-se nas áreas de estudo. As raparigas não querem ser electricistas, e tu também não.... para ganhares a vida dás aulas aos rapazes!

A diferença na "idade mental" entre rapazes e raparigas por volta dos 12 anos está estimada entre 1,5 a 2 anos, pelo que uma reorganização das turmas tendo em consideração as idades talvez ajudasse a resolver o problema.
A "diferença de idades" acima indicada vai-se anulando com o crescimento, já não se verificando no fim da adolescência. É apenas mais um problema da idade do armário.

Lina Alves disse...

Olá José,

Acho que a resposta é bem mais complexa do que o que dizes e tem raízes históricas, biológicas e até geográficas mas agora não é o tempo para isto. Já agora informo-te que não sou eletricista porque essa não é a minha formação mas se necessário sei instalar e ou montar equipamentos.

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